Embarque
Hibernei por meses deste lugar. Passei dias a pensar se voltaria um dia a escrever. Como a maré do mar que sobe e desce, os dias se passaram a vida se movimentou de forma muito estranha nestes últimos meses. Indo e vindo os pensamentos corrompiam minha mente a pensar sobre tudo. Sobre o ato de escrever, sobre a água, vida, morte, paz, destruição e tudo mais. Sentia-me vazio, não conseguia coordenar pensamento algum a chegar a algum resultado sobre os fatos que me motivaram a esquecer desta página. O último suspiro disto, a alguns meses, foi o sumiço de meu gato. Antes mesmo deste fato já estava visivelmente desprovido de vontade de externar qualquer sentimento que fosse. Visões sobre o que deveria escrever vinham e iam como a água que sai da torneira e finda no ralo, não organizava nada na mente apenas via paisagens escorrerem pelos meus dedos e não sentia vontade alguma de organizá-las. Me parece que a preguiça as vezes me compelia a rejeitá-las, em outras ocasiões sentia que estes pensamentos nada mais eram que visualizações tão ordinárias que não deveria dividi-las com os demais. Como vagões de metrô eu mergulhava em algumas lembranças e ia, descia em alguma estação e esquecia o que tinha pensado minutos antes, mesmo que um determinado assunto passado me soasse vivo, eu de forma alguma os organizava.
Dei um tempo, matutei sobre o papel deste espaço e novamente sem nenhum resultado aparente deixei de lado tais equações. É engraçado como mesmo nestes momentos algumas lembranças teimavam a grudar em mim, como às vezes teias de aranhas nos surpreendem quando andamos. Eu andei e pensei a chegar a algum resultado, algum porquê destas e de outras linhas expurgadas no passado. Revisitei meus medos mais intestinais e nada, apenas o mesmo vazio a permear. Inclusive pensei em largar, na verdade ainda assim penso, sempre que qualquer linha se inicia o enorme vazio e o sentimento de perda me invade. Pareço estar numa selva e vejo uma série plantas, mas nenhuma chama atenção, ou melhor, o que me chama atenção é a mesma pergunta. Por que teimo em tentar externar isso. Por que destas linhas, e mais ainda, por que os pensamentos me seguem? Antes imaginava poder tão bem organizá-los que imaginava coisas e guardava na memória, mas ultimamente como falei linhas acima, não sentia mais necessidade de organizar nada. A falta de um direcionamento certo a isso foi sendo a mim desvelado. Sentia que os gritos do passado, eu os tinha berrado. Essa coisa de organizar os fatos e colocá-los de forma a satisfazer a mim é uma tarefa por demais complicada, ainda mais quando o ato de escrever é um ato por assim dizer de açougueiro. Cortar cada peça em certo sentido, refrigerá-las a tal temperatura, esperar tal época a disponibilizar isso ou aquilo. E quando não se há vontade de organizar tudo isso, esqueça, pois demandaria uma tarefa tão chata que não se conseguiria, e foi assim que o vácuo me preencheu.
Outra coisa maluca de minha cabeça era o tamanho do texto, como os grandes de outrora, eu queria fluir, ser uma torrente violenta em meio ao silêncio e que essa violência fosse externada com maestria. Bela bosta! Primeiro eu me ressentia de certa humildade, vou explicar. Querer igualar estas pobres linhas aos mestres é uma tarefa idiota demais, uma preocupação tão vil que me fez debruçar horas, dias, meses numa idealização de escrita, e mesmo assim sem resultado aparente. Na verdade, gostaria que minha voz fosse única, pode até ser que seja assim tão única quanto o tamanho dos dedos de meu pé, ou a quantidade de dentes da boca, mas tinha lembrar-me todos temos dedos e dentes. Preocupações mais idiotas essas.
E a cada parágrafo findado, lá vinham as indagações, a saber, do que eu falaria no seguinte, se não soaria repetitivo, que ou quais palavra deveria usar, como construir uma frase de modo a impressionar e como utilizar as palavras no sentido mais estético, musical que seja. E assim, mais momentos iam escorregando, as idéias mal acabadas ficavam ainda mais mal amarradas, e ao passo que ia aumentando o tamanho da balela escrita aumentava na mesma medida o sentimento de desprezo ao finalizar tal texto. A primazia de escrever me parecia uma heresia sem tamanhos quando me debruçava sobre qualquer linha escrita numa ou noutra página de livro, anúncio de emprego, aviso de cigarro, encarte de disco, receita médica, capa de jornal, enfim qualquer coisa me parecia mais completo do que estas linhas. Até mesmo um calendário todo organizado me satisfazia mais que as minhas próprias linhas, que achando eu serem a tradução da minha alma, e se assim forem, meu espírito é por demais mal organizado, convenhamos.
Em outros momentos já posso ter externado sobre isso, mas julgo ser um momento apropriado a este retorno. E quanto a armazenar uma ótima idéia a trabalhar com ela mais tarde. Um enorme fiasco no sentido mais puro do termo. Dias desses estava caminhando no parque pensando, tinha ido lá a fim de espairecer a cabeça dos problemas da vida. Caminhando, passo a passo, sinto um comichão, imagino ser aquela idéia que primeiramente me salvaria do vazio da escrita e que bem organizado daria uma boa tentativa de um texto mais...Digamos, mais refinado. Pensei o tema por alguns ângulos o ataquei de forma a senti-lo mais vivo na mente, quando de repente me vejo sentado num banco num parque público divagando sobre as possibilidades e existência de um inseto. Porra! Foda-se as possibilidades desse caralho de vida, passa o dia voando e morre ao entardecer. E lá se tinha ido a bosta da idéia anterior, e o pior, eu não tinha esquecido, quando retomei o tema era de uma coisa tão sem graça que não consegui nem engatar os primeiros passos no sentido a retormar os termos aos quais tinha utilizado a fim de me empolgar novamente.
Numa outra ocasião num momento “criativo” resolvi utilizar uma agenda. Acordei meio de ressaca com uma enorme dor de cabeça e resolvo pegar uma caneta e a tal agenda, já faz mais de um ano isso. Me sento, atrás de mim um amigo ronca como uma britadeira preguiçosa. Sentado, a mesa organizada, caneta cheia, copo com água com mais dois daqueles remédios cura ressaca, começo a destilar o veneno. Imagino que vou arrebentar começo a escrever meus calos da mão até doem de tanto que escrevo, acho que nunca escrevi tanto. Penso no passado e vou vomitando as coisas, penso no presente e dá-lhe tinta no papel, idealizo o futuro e lá vem linhas. Como esse texto ficou na tal agenda “infelizmente” nós não tivemos a possibilidade de lê-lo aqui. Como faz mais de um ano deste sopro criativo e como não o publiquei, só eu tenho a cópia desta merda, e assim me refiro, pois semanas atrás limpando meu quarto não é que achei o dito cujo. Puta merda, umas das piores coisas na vida é revisitar o passado assim tão, digamos claramente. Quando o folheei novamente, tive quase que ânsia de vômito daquelas de perder a bílis depois de beber litros de cerveja e ao fim da noite lascar nos destilados. Era uma coisa tão deprimente que possivelmente venha a publicar para dividir com sei lá quem as pérolas que ali estão.
O diagnóstico que chego depois disso, é nenhum sai do ponto zero, circulei, circulei, circulei...E onde estou?
Desembarque
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