segunda-feira, agosto 18, 2008

Escrito a meses atrás e nem revisei.


Embarque

Ontem eu saí andando e pensando sobre a vida. Na verdade mais sobre as desgraças que a vida nos apresenta. Estava com o estomago vazio e sem cigarros. Geralmente a quantidade de cigarros faz um bem para um desterrado que vaga de um lado a outro com falta de comida no estomago. Caminhava pelas ruas que cortam uma avenida próxima. Passava por vilas vazias e observava a arquitetura de algumas das casas dessas vilas. Meu dorso estava retesado, minha cabeça doía e meus ombros tensos. Meus olhos lacrimejavam e meu nariz pingava como de praxe e me deixava mais angustiado quando meu bigode mais parecia uma mata ciliar para o rio que corria de minhas narinas à boca. Os dedos de meus pés estavam com as unhas para serem cortadas, dessa maneira, faziam com que meus pés doessem mais.
Os pensamentos dos dias passados e das palavras jogadas vinham e iam ao encontro do meu mau humor, rememorava as frases ditas numa noite de extrema raiva regada aos vapores do álcool. Me pegava pensando nas expressões de raiva e lembrando da serração da arcada dentária que pela raiva fazia com que eu ficasse serrando os dentes instintivamente.
Ao chegar em casa, algumas batatas ainda estavam para serem cozidas. Batata doce sabia que fariam um verdadeiro estrago ao oxigênio quando essas batatas fossem cozidas e comidas. A flatulência que elas produzem num estomago vazio é digna da mais pura poluição de um grande centro urbano. Mas era apenas batatas que poderiam ser servidas naquela noite. Junto com os poucos cigarros que tinham sobrado, era a alimentação a ser servida num contexto de mau humor com fome.
Às vezes a cidade parece um teatro em que os idiotas, seus atores, mais parecem ferozes leões que perseguem suas pobres riquezas a fim de mostrar tudo o que ganharam em dias de luta num círculo social da miséria.
Aos que vencem sobram os louros da vitória, aos que perdem a bosta da memória a lembrar dos obstáculos não vencidos. A mim sobra a preguiça. Preguiça de escrever, do trabalho, das imperfeições, dos livros, dos copos, dos óculos, enfim, de tudo. Uma indisposição até para comer bem. Com um real poderia ir ao bom prato para satisfazer meu pobre estomago com alguns grãos e outras especiarias regadas a toneladas de salitre. Passar num sebo e observar os livros que gostaria de ter um tostão no bolso, não é uma boa experiência. Lembrar do gosto de uma boa refeição faz reavivar a gastrite fazendo com que o refluxo gastro-intestinal morra definitivamente, pois nada há no estomago a não ser o suco gástrico que um dia vai secar, como a água nesse pedaço de rocha que vaga no sistema solar.
Então pergunto. Por que cargas dágua todos mentem tão descaradamente. Essa é uma pergunta que nem mesmo a população de filósofos, psiquiatras, terapeutas, psicólogos, médicos, professores, políticos, metafísicos não conseguiram responder.
Ao ir ao cinema num dia desses que a entrada é mais barata, uma garota me perguntou se eu gostaria de comprar a porcaria de um jornal da causa operária. Veja bem, estava na entrada de um cinema que a classe média paulistana comparece. Um jornaleco vagabundo que tinha como matéria principal a tentativa ainda tardia de findar com o império dos países desenvolvidos sobre os países subdesenvolvidos. Gastou litros de saliva numa conversa velha tentando fazer com que eu desembolsasse alguns trocados por aquela porcaria de jornal. Obviamente não comprei, iria encontrar minha namorada e assistir algum filme com ela. Mas fiquei pensando no que faria aquela garota a insistir em querer me informar sobre as benesses de uma leitura amparada no bem, na busca por um mundo melhor e assim por diante. O mesmo blá blá blá velhaco de sempre, que nem meu pai agüenta mais dizer. Em textos anteriores já os coloquei a par dos malefícios de nossa angustiada espécie de autômatos sem razão, que por demasiada razão criam universos e mentiras a se satisfazerem. Aquela garota deve ter pensado que era eu um jovem de classe média abastada com os bolsos cheios de nota e barriga cheia de comida e que seria um perfeito idiota para ela passar à frente um exemplar ridículo de um jornalzinho de esquerda que ainda parado no tempo vocifera a luta do operariado. Se bem que ela queria vender para a classe média abastada. O que ela poderia esperar de mim? Um afago intelectual nas rosas da luta de classes, ou o mau hálito que saía da minha boca, pois estava caminhando a horas sem nada no estomago a não ser a fumaça dos cigarros fumados.

Cai fora

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