sábado, abril 02, 2005

O Rochedo Feliz

Embarque


Dançando, o estrobo paralisa a minha esperiência daquele momento com o lugar que estou naturalizando. Passo a passo de corpos dançando vagarosamente todos a procura de seus passos mais pessoais. Mas danço sozinho! O ventilador que nada ventila parece parado ou girando. Estrobo! Estrobo! Paralisando e deixando-me tonto no meio da pista de dança cheia.
De repente no meio daquele caos de imagens tenho um acesso de tosse devido a fumaça de cigarros e fico a pigarrear mesmo dançando e cambaleando tentando expelir o catarro que ainda se esconde em minha garganta.
Projeções, corpos, luzes, olhares, pessoas.
Abre-se um portão cosmológico e eis que aparece a criatura que conheci a anos. Fico a olhar para este indivíduo a esperar alguma reação. Ele apenas a olhar-me a perguntar -penso eu- a si mesmo as razões de meus olhares. Mas conheço aqueles olhos e aqueles contornos tristes que enrelevam seu rosto e me trazem lembranças à mente de palavras vociferadas com tanta dor e propriedade por tal pessoa.
Este sim se entregou. Percebo nele toda a dor do mundo e a insatisfação de sofrer traz consigo a satisfação de escolhas e a propriedade de rasgar várias vezes seu corpo.
Sempre lembrava dessa pessoa, mas hoje parece que mais do que nunca com ele eu diálogo todas as noites, tardes, manhãs, madrugadas e por fim de fios de cabelos percebo sua importância na minha vida. Eu o encontro quando quero e sempre tive a impressão de ser o que ele mesmo nos disse a muitos milhões de anos atrás. Ser o Rochedo Feliz. Sempre o via desta maneira e engraçado como eu me pareço com ele. Nos defeitos é claro. Nas virtudes seria de muita presunção dizer que este indivíduo comigo se parece.
Henry Miller! Meu amigo como me ajudas a ultrapassar meus próprios limites. Não tens nem idéia de como és para mim um porto seguro. Importante porto onde desembarco todos os dias a pacificar meu espírito tão espezinhado pelas minhas próprias mãos.
Sempre que a ti encontro, não faz nem a idéia da felicidade que sinto de encontrá-lo n'alguma banca de livros ou sebo a um preço que posso dispor com muito suor. Abrir este exemplar e passear por suas dolorosas experiências.
Ai ai ai ai! Amigo. Não tens nem a idéia de como talhou em mim algo que tento ser a todo momento como a ti é. O rochedo feliz!
Inclusive amigo devo a ti royaltes literários, pois o copio indiscriminadamente, mas a um jovem como eu ler a linhas que colocarei mais a frente abona qualquer atitude pela vida que você mesmo provou. Muito obrigado por existir amigo. No meio da multidão nunca me senti tão bem acompanhado nestes últimos tempos. Não quero o elevar status de um gênio, nada disso. Apenas acho que você querido amigo, é uma pessoa sensível como eu. Nisto penso poder dizer que somos iguais. E olha só, quantas vezes em teu lugar me coloquei rapaz. Nem imaginas como fortaleceu este indivíduo que aqui esboça algumas linhas de muito obrigado. Apaxonei-me por ti a muito é bem verdade. Passeei por ti noutros momentos mas nunca como nos dias de hoje a mim tem sido tão importante. Sempre o foi. Pela entrega que sentia fazer parte da Sua vida, e como método adotei a mim, pouco importando os fiapos de madeira que em nossas mãos entram ao pegarmos um pedaço de madeira mal cortado.
Sinceramente aqui está um sujeito que não tem medo das emoções. Sim velho Bukowski! John Fante também, mas não esqueça do velho Henry. Ao menos assim eu o reivindico.
Amigo, suas enormes descrições. Ah! Como são apaixonantes. As mulheres, a fome, dor, iniquidade, pobreza, comida enfim...O sexo, como pude me esquecer de tais situações. O seu sexo descrevido pormenorizadamente como uma paixão pelo prazer que indisfarçavelmente tomo para mim. Sou assim também e pode ser um defeito. Penso que me igualo às vezes a ti pelos defeitos. Seus cíumes, raivas, dores. Humano demasiado humano. Gostaria de ter a possibilidade de passar um dia contigo, para vagaorosamente avançar num deliciso desjejum da manhã, depois uma de suas caminhadas e ficaríamos a conversar. Eu exporia a ti minhas experiências e ouviria com todos ouvidos as suas. Depois um longo almoço com algum vinho francês que você tão adora e depois uma sonolenta tarde de algumas bebidas diremos assim um pouco mais pesada para ajudar na fluição de nossas engrenagens perceptórias.
É amigo! Talhou em mim o amor por ti. O Rochedo feliz.
De sua boca as linhas que se seguirão, eu as ouvi serem pronunciadas de sua boca.
Abraços Homem!

Extraído de Plexus
"Em cada período crítico da minha vida pareço haver tropeçado num grande autor capaz de amparar-me. Nietzsche, Dostoiévski, Faure, Spengler: que quarteto! Houve outros, naturalmente, também importantes em certos momentos, mas nunca possuíram a amplitude, a grandeza dos quatro. Os quatro cavaleiros de meu Apocalipse partícular! Cada um expressando inteiramente sua qualidade específica: Nietzsche, o iconoclasta; Dostoiévski, o grande inquisidor; Faure, o mágico; Spengler, o modelador. Que fundação!
Nos dias do porvir, quando eu parecer sepultado, quando o firmamento ameaçar a cair sobre minha cabeça, serei forçado a abandonar tudo, exceto o que esses espíritos em mim implantaram. Serei esmagado, aviltado, humilhado. Serei frustrado em todas as fibras do meu ser. Posso até ser levado a uivar como um cão. Mas não estarei completamente perdido! Raiará o dia em que, repassando a vida como se ela fosse uma história ou a história, poderei nela detectar uma forma, um modelo, um significado. Daí em diante a palavra derrota se tornará inexpressiva. Será impossível uma reincidência.
Desse dia em diante, eu me torno e permaneço fiel à minha criação.
Um outro dia, numa terra estrangeira, aparecerá diante de mim um jovem que, consciente da mundança que em mim se processou, me alcunhará de "O Rochedo Feliz". Este o apelido que darei quando grande Cosmocriador perguntar "Quem és?"
Sim, sem sombra de dúvida, eu responderei: "O Rochedo Feliz!"
E se me for perguntado: "Apreciaste tua estada na terra?" eu responderei: "Minha vida foi uma longa crucificação encarnada".
Quanto à significação disso, se ainda não está claro, será elucidada. Quero ser um cão na manjedoura, se falhar.
Uma ocasião, pensei ter sofrido o que nenhum outro homem sofreu. Por me sentir assim, fiz o voto de escrever este livro. Mas, muito antes de iniciar o livro, a ferida cicatrizara. Tendo jurado cumprir a promessa, reabri a horrível ferida.
Permitam-me outra expressão...Talvez, ao abrir a ferida, minha própria ferida, eu fechasse outras feridas, as chagas de outra pessoa. Algo morre e refloresce. Sofrer na ignorância é horrível. Sofrer deliberadamente a fim de compreender a natureza do sofrimento e aboli-lo para sempre, é outra questão inteiramente diversa. Buda teve um pensamento fixo a vida inteira, como sabemos. era eliminar o sofrimento humano.
Sofrer é desnecessário. Mas temos de sofrer antes de sermos capazes perceber que isso é assim mesmo. Somente então o verdadeiro significado do sofrimento humano fica claro. No último momento desesperado - quando já não podemos sofrer mais! -, algo acontece, da natureza de um milagre. A grande ferida aberta, que vertia o sangue da vida, se fecha, o organismo floresce como uma roseira. Estamos "livres" por fim, e não "com saudades da Rússia", mas com a ânsia de mais liberdade, de mais felicidade. A árvore da vida é mantida viva não por meio de lágrimas, mas pelo conhecimento de que a liberdade é real e perpétua."

Henry Miller


Desembarque

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