terça-feira, abril 26, 2005

pés e movimento

Embarque


O alvorecer de uma voz única requer noites e mais noites de insistência e persuasão do próprio ego em constante diálogo consigo próprio. Ao invés dessa fornicação forçada a foda propriamente dita tem de ser transformada ritualmente num tratado com a alma pura. Pura depois de se ter passado por todos os estágios. Da nascença a putrefação. Talvez assim possa a voz única ser conhecida. Do contrário, penso eu, será um amontoado de idéias pré-concebidas nos gabinetes de compartimentação das nossas vidas.
Árduo trabalho este. Aferir a voz silenciosa do reino da imaginação afim de investigá-la e tentar extrai-lá do invólucro das influências. Longo percurso a ser caminhado nú e descalço. A supremacia e genialidade para alguns é como o alvorecer e o por do sol. Explico melhor.
Das horas que se passam no movimento, o indivíduo forçado a querer se torna o algo busca inconfudivelmente aquele posto. Por isso dias após dia, treina, exercita, recapitula, anota. Faz e perfaz um movimento que em sua caixola sabe-se lá quando automático se tornará. Cada lembrança a este indivíduo se torna uma bíblia do conhecimento a ser milimetricamente desfiado e desfiando esta memória chegamos ao ápice do escavamento que nos déspi e nú estamos diante das maquinas. A esperarem pacientemente nossos comandos. Um fóssil sobre a mesa. Milhões de anos e uma incompreensível escala de tempo. Uma história esperando um pintor a aquarelar o infímo. Poder mesmo deve ser esse pintar o incompreensível, o não notado por ninguém e expressar em palavras o que as mesmas não são. Um fluxo infinito. Pequeno ou grande? Sabe-se lá quando irá parar e se parar que todos farão?
Devaneios e mais pensamentos, memórias, momentos. Partículas do fato. Gotas num oceano de lágrimas.
A exposição do corpo nú no necrotério ou numa casa noturna. A miséria, desde a morte do corpo em si até a morte da paixão do corpo em nós. Tudo é sempre mais além. Bem mais adiante e cabe a mim andar e ver o raiar do sol até o fim do dia e exercitar o ato de aquarelar a vida. A minha vida.
O balançar dos pés num movimento nada uniforme mas que uniformiza a mente no transcurso de um pensamento obsessivo de sensações afim de serem movimentadas pelos mesmos pés. Numa sala refrigerada mais parecendo um lugar depositário de mortos a vida se faz em movimentos e olhares.
O vai e vém, vai e vém, vai e vém e assim por diante a dias infinitos dias que tomam cores de noite nos devaneios em ruas esburacadas barrentas. Dedos e unhas os vi balançando a poucos metros de distancia.
Deveria tocá-los e brincar com eles, massageá-los até que os mesmos desmaiassem em meu ventre e repousassem por milhões de anos.
Andar a exercitar o aquarelar de minha vida. Desperto e nú. Excitado e vivo. A respirar e sentir o pulsar de meu coração em vossas vulvas quentes.
O suor a escorrer pingando nas rochas transformando-os em solo fértil. Um salve a vida.
Ao acolhimento de todos os corpos e que a quentura destas misturas seja o fermento de novos dias.

Herculano Netto

Desembarque

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