sexta-feira, janeiro 25, 2008

Embarque

Como uma idéia brota de nossa massa cinzenta? É essa pergunta que me norteia nessa construção.
Diariamente eu sonho em acordar, abrir os olhos, tomar um bom café, fumar um cigarro e sentar nessa pobre cadeira dura e me fazer de um rio em torrentes caudalosas vazando letras, palavras e sentenças certeiras que atiram chumbo quente no meu coração e no resto do mundo.
Hoje tentei ser mais racional, escolhi um assunto fértil que poderia permear um bom texto. Pensei numa boa argumentação e fiquei deitado na cama por volta de uns quarenta minutos pensando no tipo de discurso que eu iria fazer. Os carros buzinavam e cintilavam suas cores no teto do quarto, meu estomago resmungava e gritava sempre a cada vez que prendia minha atenção nele, meus olhos ainda sujos de lágrimas derramadas pelo sono, um gosto de obsoleto na boca e assim por diante eu ficava deitado observando e arquitetando as diversas formas que eu deveria usar para chegar à constatação que um dia eu teria a possibilidade de me ouvir sem parecer que soou um outro sujeito que escreve, e por isso, ao não me reconhecer descarto rapidamente tal escrito.
Bem! Que seja! Levantei-me fui ao banheiro. Mijei e meus pés agora eram alvos de minha atenção. As unhas estavam grandes e sem formas de unhas. As veias de meus pés tinham saltado e mais parecia que eu estava suturando algo corte no pé, o calcanhar duro e áspero (daria para lixar um Ford landau). Em seguida minha atenção se prendeu as pernas e assim por diante até chegar no rosto.
Quando observei meus olhos, tive dó. Já estavam cansados, novamente eu estava a olhar para mim por falta de ter um assunto descente a desenvolver. Claro que falar da minha carcaça que se arrasta de um lado a outro é assunto demasiado interessante, mas não sei. Queria outra coisa neste exato momento. Uma outra visão, paisagem, um outro lugar para que eu pudesse me prender e observar cada contorno, e então assim, quem sabe, melhor me expressar.
Fico elencando inúmeros assuntos com as mais obtusas abordagens que possa existir, mas quando me sento nesta cadeira, o que mais penso é como deveria soar bom, mas tão bom para mim mesmo. Como poderia controlar o desenvolvimento de um texto, (ou melhor, meu texto) com uma desenvoltura e liberdade que me deixasse um pouco mais satisfeito. Escrever é um ato de diversos níveis. Há aqueles que são gênios.
Não sei porque cargas d´água esses (gênios) nasceram com o dom mágico da generosidade na concepção de todos os detalhes de um tal contexto. Conseguem exprimir tudo, mais parece que a experiência da realidade pode ser vista em todos os ângulos, por diversas situações.
Há a espécie dos pré-genios. Esses são aqueles que você nunca os leu, e possivelmente não os lerá em vida. Todos falam deles, não são clássicos, mas é aquele tipo de escritor meio burocrata na tarefa árdua da escrita. Pode-se ler um dois ou três parágrafos que já se resumi todas as capacidades do sujeitos. De qualquer maneira, conseguem editoras vão a coquetéis e demais eventos comemorativos de tapinhas nas costas. Esses são sortudos, não são os azes das coisas, mas se viram. Diferentemente de mim (esse falaremos mais adiante).
A classe dos picaretas é composta pelos próprios picaretas. Sujeitos desprovidos de vergonha na cara que vão a portas de estabelecimentos reconhecidamente artísticos e mendigam alguns trocados pela sua arte. Esses escrevem em qualquer lugar, são os chamados patologicamente artistas não reconhecidos. Os seus méritos podem ser descritos pelos outros mais que do que pelos próprios indivíduos. Um termômetro interessante sobre essa categoria é a vergonha alheia. Quanto mais vergonha alheia você sentir por um sujeito desse, mais esse sujeito estará desvelando sua arte pela cidade. Esse sim se acha um vencedor, se bem que ele dá cara à tapa, enfim...Sobra a categoria dos arqueólogos preguiçosos.
O mérito desse, me incluo nesse quinhão, é a modéstia preguiçosa, tudo o que os sujeitos dessa categoria escrevem é um porcaria. São arranjos de algumas boas frases com a produção do desconexo em série. Como somos preguiçosos são tomamos o labor da escrita com grande entusiasmo, em algumas vezes sim, mas na maioria ficamos a observar o vai e vem das idéias e depois achamos recortá-los tão bem, que erramos no escavamento. O mérito, voltando a falar do mérito, é a preguiça por uma cobrança interna pelo reconhecimento do “mundo artístico” até se tem vontade, mas sabendo das possibilidades de um país modernizado à força e guela abaixo, a leitura nunca será um objeto relevante à coletividade. E ficamos num bate papo de cego surdo e mudo, uma conversinha vazia a procura dos objetos que estão ao nosso redor e por fim, sentamos numa cadeira dura depois do sono com um cigarro à mão a brincar de escritor genioso não reconhecido que vende suas argumentações na porta de cinemas freqüentados pela composição mediana de poder aquisitivo com um pouco de preguiça.


Desembarque

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