sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Embarque

Os sentidos aguçam o olhar fazendo de um fragmento a verdade encostada na memória. Alguns fatos passados que ficam tatuados na retina de nossa lembrança, me fazendo mergulhar em rodamoinhos de caminhos tortos, um tanto mal entalhados, nos devaneios da imaterialidade conquistada através do processo da caoticidade reinante, complexa e acima de tudo, um trem! - É um trem! Que ruma desgovernado ao nada. Nada fazendo sentido aparente, até o mesmo o tal do nada. Que pra ser alguma coisa, o próprio nada, já é alguma. De certo, uma palavra com significado.
Um trem, a vida. A sua corporeidade é o caos. A inconseqüente junção de atos, forças. Uma incontestável energia que suga e depois reinjeta tudo e engole novamente. É o ônibus que passa ao lado com um barulho ensurdecedor, são as putas que algazarram a pedido de clientes. Um buzinar incessante, a cantarolia de motores e putas. A chuva vai temperando com gás carbônico a paisagem. O tremular das roupas no varal vai revestindo a grade, escondido nas peças molhadas a pingar com as gotas de água que caem do céu. Juntamente com os pratos na pia sendo gotejados de gordura da panela suja. Tudo vai se modificando, a memória acima de tudo. E mais acima disso, os sentidos captam as coisas aleatoriamente muitas vezes, um sonho retido inadvertidamente no turbilhão dos acontecimentos diários.
Inexpugnável entender o sentido da vida. Parece uma corrente de acontecimentos num rio em cheia, mas em certos trechos desse rio, se oferecem como quietos, porém com um ritmo alucinante. Um caldo de água que segue rompendo tudo, mas que observados de fora mostram uma certa calma. Em outros, as rochas tornam o percurso mais violento. As músicas, os sons, vão construindo e preenchendo o muro da memória.
Deitado pensando, as horas passando. As unhas roídas jogadas na privada e os restos de comida jogadas no lixo misturadas ao odor de sujeira da areia dos gatos. Os lembretes de dívidas enroladas e guardadas em gavetas próximos a cinzeiros empoeirados e sujos de cinza de cigarro e maconha. A gata fuça na gaveta de bermudas a procura de diversão, e a música corre solta pelo corredor com o cheiro de cebola picada horas antes.
As portas estão todas sujas com marcas dedos encardidos assim como nossas lembranças, todas elas, datadas de nossas digitais pessoais. Um bote furado no rio, de alguma forma todos irão afundar e se juntar às rochas, não há como lutar.
Deito e deixo o fluxo me levar, tem de aceitar o que me dão. O que a vida provem. Nem sempre tão fácil é engolir sapos. Ou poderia esconder, dar um tempo, correr. Mas de que vale a vida então? Se para negar minha fome eu devo suscitar outras vontades e mais sentimentos presos, como uma prisão de ventre gigantesca vai se avolumando.
Se me dissessem antes que seria assim, teria feito menos coisas. Será um dom perceber num futuro mais distante que o curso do tal do rio seria tão ou mais difícil, se tivesse de lutar mais. Sendo assim, ficaria mais cansado.
Um quadro, fundo que posso entrar. Ir e voltar em outros pequenos quadros que se formam quando entro em um primeiro estágio. Lembranças, memória, sentidos e vontade. Passo a passo vejo mais ou menos coisas nesse quadro. É engraçado e incerto. Revestido de energia e vontade. Principalmente...incertezas

Desembarque...Não vou reler isso...

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